Violência contra a mulher: ameaças e tortura

07-04-2011 18:04

Por Carolina Fernandes e Lara Nassif

As denúncias de violência doméstica contra a mulher cresceram 112% em 2010. É o que revela uma pesquisa feita pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. De acordo com dados, o serviço especializado de denúncia Ligue 180 registrou alta no período de janeiro a julho deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado.

Neste sentido, apesar de ocorrer com freqüência em nossa sociedade, o tema violência contra a mulher ainda é considerado um tabu, segundo a psicóloga Ana Cristina. A violência é considerada como qualquer forma de constrangimento ou coação, que vai desde a violência verbal até atos de agressão física como socos, pontapés e estupros, completa ela.

De acordo com a pesquisa, os relatos de violência somaram 62.301 registros, sendo que 36.059 foram de violência física; 16.071 de violência psicológica; 7.597 de violência moral; 1.280 de violência sexual e 826 de violência patrimonial. Além disso, foram registrados 239 casos de cárcere privado.

“A violência que sofri foi a menor de todas as agressões. Sofri a violência moral e psicológica de forma muito intensa e dolorosa na qual levo as seqüelas até hoje”, diz Fabiana Mene, estudante, 25 anos. “Vivi sete anos com um homem, aparentemente dócil, até em excesso, mas que me agredia verbalmente sob efeito do álcool. Hoje, sei que isso era uma desculpa para ele fazer tudo o que queria”, complementa.

Segundo a psicóloga, a violência geralmente vem de pessoas bem próximas às mulheres, principalmente, maridos ou parceiros, sendo os motivos principais: ciúmes, insegurança e medo de perder a pessoa amada. 

Cíntya Veiga, assistente social, 33 anos, diz “conheci meu agressor aos 18 anos e já na fase de namoro ele apresentava sinais de ser um homem violento, tinha por mim um ciúme doentio. Fomos morar juntos em 1988 e as agressões continuaram. Ele sempre colocava a culpa em mim em qualquer situação pelo fato de se sentir inseguro e, como consequência, acabava perdendo a cabeça”.

A psicóloga enfatiza que a violência contra a mulher não está restrita a um único meio, ela não escolhe raça, idade ou condição social. Porém, geralmente, as pessoas de maior poder aquisitivo têm mais chances de se calar por vergonha ou por medo do que os outros irão pensar delas.

A. C, administradora, de 38 anos, que não quer se identificar é um exemplo disso. “Tinha meu próprio negócio, uma situação econômica estável e sustentava meu ex-marido, que na época estava desempregado. Apesar de as agressões serem constantes, não tinha coragem de denunciá-lo por medo do que a repercussão do caso poderia causar em minha vida”, afirma.

Cíntya, que viveu a mesma situação, conta que sua vida era razoavelmente confortável e moralmente um inferno, visto que escondia de sua família que era agredida. “Um dia contei para a minha mãe que aquela ‘mancha roxa’ em meu olho era pelo fato de eu ter deixado cair a chave da porta e ao me levantar para colocar de volta na fechadura, havia machucado o rosto na própria fechadura”, explica. 

Por isso, a psicóloga Ana Cristina observa que a violência não envolve somente a mulher agredida, mas acaba por envolver toda a família e as pessoas mais próximas, como os pais, irmãos e até mesmo os filhos, que são os mais prejudicados. É o que aponta também a pesquisa: em 68,1% dos casos a violência contra a mulher é presenciada pelos filhos. Além disso, em 16,2% das situações o filho sofre a violência junto com a mãe. 

A. C afirma que seu filho, de seis anos não entendia por que todos os dias ela aparecia com manchas roxas pelo corpo. Ele não sabia o porquê de seu pai bater tanto nela. “Várias vezes eu o peguei, depois de uma briga com meu ex-marido, chorando sozinho no quarto e quando o perguntava o motivo, ele me respondia: eu não gosto de ver o papai batendo na senhora”, completa. Por isso, segundo ela, essa situação recorrente doía e dói até hoje, por ter conhecimento que não bastava apenas o seu sofrimento, mas que seu filho também sofria.

Quanto à questão da denúncia, a assistente social do Tecle Mulher, de ajuda a mulheres vítimas de violência, Carolina Kawauchi, afirma que a maioria das vítimas não denuncia seus agressores por medo e falta de informação.

É o caso de Cíntya, que quando foi à delegacia denunciar, sentiu-se humilhada, pois não imaginava que teria que expor sua vida íntima. Temia ser ridicularizada pelos policiais, mas se enganou totalmente, pois foi atendida por mulheres, que a acolheram e a trataram com respeito. Ela acrescenta ainda que é a favor da Lei Maria da Penha, lei 13.340/2006, que está em vigor há quatro anos, por considerar um grande ganho para todas as mulheres que se sentem ameaçadas no que diz respeito à proteção.

O inspetor de polícia Mauro Guimarães afirma que, com essa lei, o número de denúncias de violência contra as mulheres aumentou consideravelmente e corresponde a 50% do total de informações prestadas pelo Ligue 180. “Hoje, recebemos 15 denúncias de violência diariamente, 60% a mais que antes da lei ser sancionada”, diz ele.

Com o auxílio da lei, Fabiana diz que, apesar de ter se calado por muito tempo, sentiu-se mais segura e resolveu procurar a justiça para denunciar as agressões. Atualmente, ela espera a audiência.

A assistente social do Tecle Mulher explica que, com a Lei, as mulheres se sentem mais protegidas e passam a acreditar que realmente o seu caso vai ser resolvido, por isso o número de denúncias aumentou tanto desde sua criação.

As faces da violência

A pesquisa Revelando novas faces da violência contra a mulher, de Alessandra Muniz de Campos, é baseada nos atendimentos realizados pelo site Tecle Mulher e visa traçar um perfil sobre quem são as essas mulheres vítimas de violência.

Para isso, a pesquisadora realizou uma análise com 100 mulheres de 16 estados diferentes do país e inclusive com duas estrangeiras, uma residente em Portugal e outra no Japão, também vítimas.

De posse dos dados, foi possível estabelecer um diagnóstico a respeito de quem são essas mulheres violentadas, de onde vem, estado civil etc, além de dar detalhes sobre o perfil de seus agressores.

Desta forma, a pesquisa divulgou que 38% das mulheres atendidas é originária do Estado de São Paulo; 21% de Minas Gerais; 8% do Rio de Janeiro e 7% do Paraná. Já no que tange ao estado civil, é possível verificar que 44% das mulheres são solteiras; 19% casadas; 10% divorciadas; 10% separadas; 8% vivem em união estável e 2% são viúvas. Outras 7% não informaram o estado em que se encontram.

Ao contrário do que parece, no que se refere à escolaridade não são as mulheres de classes mais baixas as maiores vítimas da violência. De acordo com a pesquisadora, 20% delas têm o nível superior completo; 19% têm o ensino médio completo; outras 16% estão cursando o superior; 12% cursam o ensino médio e 9% tem pós graduação; 2% tem mestrado e as que tem ensino fundamental incompleto somam apenas 5%. Todas essas somam um total de 47% contra 17% que não quiseram revelar o seu nível de instrução.

Outro ponto diz respeito à atuação profissional: 36% dizem ter estabilidade financeira e são autônomas, comerciárias e profissionais liberais; 19% são estudantes; 6% se declaram como “do lar”; outras 6% dizem não ter profissão e 5% se encontram desempregadas, porém alegam exercerem algum tipo de atividade remunerada. Somadas a estas, 17% não quiseram informar sua profissão.

Já no que se relaciona aos agressores, segundo a pesquisa, 74% são namorados ou noivos das vítimas, maridos, pais ou irmãos; 11% sofrem violência de tios ou de irmãos que não residem juntos; 7% são vítimas de vizinhos e 2% sofreram violência institucional (os serviços públicos, entre eles Polícia Militar, Civil e Instituto Médico Legal não prestaram atendimento adequado ou essas mulheres foram vítimas de estupro por parte dos policiais militares). 6% das mulheres não quiseram denunciar seus agressores.

De todos os casos, apenas 10% não foram denunciados e, segundo as vítimas, não o fizeram por medo de sofrer novas violências e por desconhecimento dos serviços especializados disponíveis.

Há ainda relatos sobre as formas de violência. Entre elas 37% das vítimas sofreram violência física; 25% sofreram violência patrimonial e 5% sofreram a chamada violência sexual. Outras 5% não quiseram identificar a forma de violência no qual foram vítimas.

Além disso, os serviços de atendimento do Tecle Mulher não foram procurados apenas pelas mulheres vítimas de violência. Estas somaram 86%, mas também houve a procura por quem sofre indiretamente, como os filhos, amigos e namorados, que somaram 6% das busca; 1% por um profissional da área, como psicólogo, psiquiatra etc e 2% por quem pratica a violência e procuraram o site em busca de ajuda. Há ainda a questão de que 5% dos casos têm relacionamento com uso de drogas lícitas e ilícitas.


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