Parto Com Fé

28-04-2011 11:03

 Por Tatiana Rodrigues

Sou médico obstetra há 20 anos. Dediquei toda minha vida a isso que, desde minha infância, é meu sonho, o que me alimenta. Não sou um homem de fé.

Acredito, acima de tudo, na ciência. Fiz faculdade, doutorado, li mais de mil livros ao longo da minha vida. Não é sem motivos que sempre me considerei um homem culto.


Perdi as contas de quantas vidas ajudei a trazer ao mundo, ao ponto de, em certo momento, aquilo passar a ser uma atividade automática. Não me deixava mais atingir pela magia daquele instante, pela emoção contida no pai que assiste ao nascimento do seu filho e ao sentimento único de uma mãe ao dar à luz e sentir um amor e alegria jamais imaginados antes. 
Não. Realmente não me lembrava de sentir isso nos últimos 15 anos. Não até ontem, quando aquilo que prometia ser mais um parto para a minha extensa lista, se revelou algo muito maior para mim.


Nos últimos sete meses, acompanhei uma jovem, grávida de seu primeiro filho. Fiz o pré-natal e todos os procedimentos necessários e tudo se mostrava normal. Porém ontem, a nova mãe sentiu fortes contrações e precisei fazer um parto prematuro. Tudo bem. Isso acontece quase diariamente. Mesmo com minha vasta experiência e total competência da minha equipe, houve complicações no parto e o bebê não resistiu. Nunca é fácil comunicar isso aos pais, ansiosos por carregarem em seus colos sua cria, mas são os chamados “ossos do ofício”, a que também nos acostumamos a lidar.


Bom, provavelmente você, que está ai, acompanhando meu relato desde o início, deve estar se perguntando: “oras, se tudo isso é normal em sua rotina, o que esse doutor sem fé e que se acha o tal tem de especial a contar?” Bem, caro leitor, o inesperado é, de fato, o que torna não só a vida, como as histórias interessantes.


A mãe, ao me ouvir dizer que seu filho não havia resistido, suplicou-me que a deixasse despedir de seu bebê, a quem chamava de Jamie, em homenagem ao seu pai. Como negar o pedido de uma mãe que vivia ali o pior momento que jamais sonhou viver? Deixei e ali permaneci, para o caso da mãe não aguentar tamanha emoção. Foram duas horas de acolhimento, abraços e conversas emocionadas, quando, em um segundo que jamais saberei realmente descrever, ali, diante dos meus olhos, Jamie abriu os olhos, como se acordasse de um sonho.


Cada vez que relembro aquela cena tento, sem sucesso, achar uma explicação científica para aquilo. Para Katie, a mãe que viu o filho renascer em seu colo, a resposta é simples: “amor de mãe salva”. Se alguém me contasse isso, contestaria até a morte, mas diante da cena que presenciei, meus conceitos, o que eu acreditava e afirmava saber, sofreram uma reviravolta.

O que eu vi, naquele quarto de hospital que tantas vezes entrei e sai, como se estivesse ligado no modo automático foi um milagre. Sim. Eles existem. 
Depois desse divisor de águas na minha vida, não sou mais o mesmo.

Sigo adiante, buscando novos caminhos. Parto para outros aprendizados. Parto com fé. Sou médico obstetra há 20 anos. Dediquei toda minha vida a isso que, desde minha infância, é meu sonho, o que me alimenta... Sou um homem de fé. Acredito, acima de tudo, no milagre do amor.

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