O Último Pensamento

28-04-2011 11:07

  Por André Martins Ferreira

“Estou de frente para uma parede cinza e áspera. Lá fora o vento sopra forte. Baforadas quentes, típicas de um tórrido veraneio desértico, invadem o local em que me encontro parecendo querer dispersar o silêncio e a quietude que precedem à morte.

Minha fronte está coberta por uma camisa branca, ainda assim consigo ver todos os demais perfilados ao meu lado. Neste momento, mãos procuram por mãos. Muitos não conseguem se manterem de pé e sucumbem ao chão. Ao meu lado, duas jovens de traços indígenas balbuciam uma prece, por certo um pedido desesperado por misericórdia e intercessão de suas santas protetoras.

Talvez sejamos uns sessenta, a grande maioria homens. Homens feitos, sonhadores que nunca esqueceram os contos infantis. Todos, até então, vívidos e resignados em alcançar a redenção libertadora provocada pela riqueza e consequente felicidade. A maioria partiu deixando promessas em corações intranquilos. Promessas que desvanecerão com o tempo e com a impossibilidade natural de não realização.

Pareço ser o mais sereno dentre todos. Ainda que meus pensamentos sejam pontuados pelo barulho de tiros cadenciados, consigo pensar e manter uma linha de reflexão um tanto quanto coerente. Mesmo diante de uma situação adversa, tão extrema, não consigo confessar que me arrependi.

Lembro-me, vagamente, de minha infância e das histórias que minha mãe me contava quando pequeno. ‘Ao fim de uma tempestade de verão, o sol sempre aparece acompanhado pelo belo arco-íris. No fim dele, existe um grande baú repleto de moedas de ouro de grande valor. Você tem de procurá-lo, querido!’. Assim ela me encorajava a não me conformar com aquela vida de privações. Ainda hoje não sei dizer se ela fazia alguma ideia dos simbolismos implicados neste conto ou se acreditava, de fato, na materialidade do tesouro.

Naquela época chegavam às cercanias do vilarejo onde morávamos as notícias de feitos quase heróicos dos primeiros que se aventuravam nos desertos mexicanos rumo à América. Depois de muitos anos longe, alguns voltavam donos de grandes posses, o que sempre me intrigou.

Cresci com o arco-íris sobre minha cabeça e o baú, mesmo que arrombado pelos primeiros felizardos, como um sonho plena e possivelmente tocável. Decidi partir há duas semanas, avistando um horizonte totalmente aberto às possibilidades de um futu”...

 

Sem que ele percebesse, chegara a hora.

Dentro de dois dias, o massacre de 72 imigrantes ilegais sequestrados por narcotraficantes mexicanos será notícia em todo mundo. Aos poucos, cada um dos corpos terão suas identidades recobradas e os parentes poderão chorar seus mortos.

Fora do galpão, local da chacina, o vento havia cessado. Indeciso, o sol se escondia entre as nuvens carregadas e tornava a se fazer visível. Uma chuva começava a cair, regando o chão rochoso e infértil enquanto, no céu, o arco-íris surgia majestoso e indicava o caminho a tantos outros.

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